Sobre a modernidade e o mundo desencantado

Quando Max Weber afirmou que o homem “tem o destino de viver numa época sem Deus e sem profetas” (WEBER, 1993, p.30), ele se referia ao sentido existencial que, em períodos de “sobremodernidade” (AUGÉ, 1994), a ciência provou não ser capaz de sustentar. Esse “desencantamento do mundo” se mostra como uma das marcas mais profundas do que alguns teóricos chamam de pós-modernismo, sobremodernidade, modernidade tardia, etc.

O conceito de modernidade foi cunhado à luz de uma sociedade capitalista, onde a Revolução Industrial do século XVIII parecia provar que o trabalho em sua nova configuração (intensificado com o advento das máquinas) traria ao homem o progresso e a verdadeira felicidade. A crise da fé católica dos tempos medievais, assim como a relação com o saber e a ciência, as relações sociais em geral inauguravam, neste momento, essa nova fase chamada modernidade.

Não tardou para que essa modernidade percebesse que as relações capitalistas e aquilo que as movia não levou a sociedade à felicidade e ao progresso prometidos. A tentativa de uma sociedade socialista também não se mostrou viável e o homem moderno passou a experimentar a dúvida. Essa ciência, dita por Weber uma vocação, não tinha o poder de dar o sentido à vida desses homens. Mais que isso, Max Weber deixa claro que essa ciência afasta o homem de sua crença em deuses e fenômenos sobrenaturais. Enfim, o homem que pretendesse abdicar da técnica, e ir ao encontro de sua fé provedora de sentido, tinha uma única alternativa, que Weber chamou de “sacrifício do intelecto”.

A tese weberiana é levantada aqui para embasar o debate sobre um momento singular da produção de Fritz Lang, Metrópolis. Trata-se do momento em que Maria se reúne furtivamente com os proletários em um ambiente religioso (adornado com cruzes cristãs) e lhes promete um mediador, uma espécie de messias, que levaria a eles a salvação e lhes livraria da condição compulsória de trabalho em que viviam.

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É importante ressaltar o poder que o interlocutor (no caso da cena, Maria) assume em momentos de crise social, chegando ao ponto de ser visto como um messias que conduziria a salvação de um povo (lembremos da ascensão de Hitler e o seu poder de fascínio sobre as massas em meio à fragilidade alemã do pós-guerra).   Além disso, a cena referida ilustra essa busca de um sentido existencial que marca a modernidade e de uma salvação em meio a um mundo onde a técnica (no caso do filme, representada pelas máquinas) adquire dimensão e importância maiores até mesmo que o lado humano.

Assim como na cena, é possível observar como a mídia e a publicidade possuem esse poder de fornecer sentido, identidade e pertencimento às massas, nos tempos de hoje.

Apesar de o filme de Lang acenar para a possibilidade de superação desse impasse tecnicista com o acordo das classes,  tal roteiro deve ser visto à luz de seu contexto histórico, onde se fazia necessária uma visão realista que considerasse as dificuldades do capitalismo, mas que, simultaneamente, confirmasse este como o caminho para a realização da sociedade moderna.

Voltando ao conceito de Augé, fica compreensível que nessa “sobremodernidade” muitos aspectos da modernidade coexistam em excesso. Entre eles, os bons e os maus. Vivemos um mundo onde a necessidade de orientação do tipo “o que é certo e o que é errado?” é tão grande que o relativismo se mostra como o maior valor que se pode ter. Nesse mundo da busca frenética pelo sentido da vida, religiões brotam por todos os lugares, são criadas e inventadas à medida da necessidade de cada um. Ao lado das novas religiões, da enxurrada  orientalista que inunda a sociedade de hoje, brigam a ciência, a superconscientização ambiental de um homem que, em prol do capital, degradou a natureza e seus recursos fundamentais; o global e o regional-local, que tenta uma volta a suas raízes perdidas com a modernidade etc.

Diante do conceito de Augé, da  tese do “desencantamento do mundo” e dos aspectos (muitos deles apontados por Weber) que a cena de Metrópolis nos mostra, fica aberto o debate e feito o convite para pensarmos no que realmente consiste essa “pós-modernidade”, o que ela traz efetivamente ao homem e qual o papel e a força que a mídia ocupa nesse momento da nossa história.

AUGÉ, Marc. Não- lugares: introdução a uma antropologia da sobremodernidade. Trad. Lúcia Mucznik, Bertrand Editora, 1994

Weber, Max “A ciência como vocação” em Weber, M.: Ciência e Política: Duas Vocações, São Paulo, Editora Cultrix, 1993.

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